Se os sonhos servem para nos fazer caminhar, as mulheres vermelhas iluminam o caminho
Trabalho no elenco de Mulheres Vermelhas, peça dirigida por Gilson Filho, da ONG de teatro Ribeirão Em Cena, que conta a história de mulheres militantes, fortes e engajadas, unidas à corrente histórica do Brasil, na busca por mais justiça e igualdade.
Há tantos aspectos para comentar sobre esse trabalho, que qualquer recorte por meu mero ponto de vista seria insuficiente para expressar o que ele verdadeiramente significa. Eu poderia comentar a peça sob o ponto de vista passional, por exemplo, expressando minhas emoções em relação ao seu processo de construção; sob o ponto de vista teórico, abordando fontes de estudo que sustentam o trabalho técnico envolvido; sob o ponto de vista jornalístico, enfatizando os fatos concretos que fundamentam a história; ou até mesmo sob um ponto de vista mítico, mais relacionado ao plano dos sonhos do que ao da realidade.
Neste momento, é esse embate entre sonhos e realidade que me interessa. Explico o motivo: mais do que uma narrativa dramatúrgica de fatos concretos vivenciados por mulheres reais da nossa história, Mulheres Vermelhas da luz a uma esperança, que em minhas décadas de vida eu nunca pude enxergar. A peça me transporta para outro lugar: um lugar onde jamais se ouve “eu não posso fazer nada”; onde a indignação leva as pessoas a praticarem ações cidadãs fortes; onde o pulso por igualdade social estremece cidades inteiras desenfreadas por justiça e o interesse geral sobrepõe-se ao particular. Nesse lugar, existe gente corajosa, capaz de fazer revolução para que as pessoas exerçam o seu papel de gente: um sonho para um país sem memória que não consegue fazer justiça em nome da história; mas pura realidade para quem lutou bravamente por isso, principalmente, no período coroado pelo golpe militar brasileiro, quando o coro pela liberdade e igualdade efervescia apesar da resistência.
Se os sonhos servem para nos fazer caminhar, Mulheres Vermelhas ilumina o caminho, como se cada história narrada dessa gente corajosa fosse, aos poucos, clareando a mancha imposta pelo furacão destruidor do poder que cerra os olhos e nos impossibilita de agir. Somos inseridos numa arena sem medida em que todos são protagonistas de uma única história em nome da nossa responsabilidade como pessoa humana.
O nosso coro é pelos heróis, cuja luta, cortinada pelo golpe militar, vislumbrava reformas de base que mudariam o curso deste país, re-significando oposições como “prisão versus liberdade”, “riqueza versus pobreza”, “opressor versus oprimido” entre tantas outras que nos arrancam do palco terreno da vida. Abramos as cortinas. Tem que continuar.