terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Tem que continuar


Se os sonhos servem para nos fazer caminhar, as mulheres vermelhas iluminam o caminho

Trabalho no elenco de Mulheres Vermelhas, peça dirigida por Gilson Filho, da ONG de teatro Ribeirão Em Cena, que conta a história de mulheres militantes, fortes e engajadas, unidas à corrente histórica do Brasil, na busca por mais justiça e igualdade.

Há tantos aspectos para comentar sobre esse trabalho, que qualquer recorte por meu mero ponto de vista seria insuficiente para expressar o que ele verdadeiramente significa. Eu poderia comentar a peça sob o ponto de vista passional, por exemplo, expressando minhas emoções em relação ao seu processo de construção; sob o ponto de vista teórico, abordando fontes de estudo que sustentam o trabalho técnico envolvido; sob o ponto de vista jornalístico, enfatizando os fatos concretos que fundamentam a história; ou até mesmo sob um ponto de vista mítico, mais relacionado ao plano dos sonhos do que ao da realidade.

Neste momento, é esse embate entre sonhos e realidade que me interessa. Explico o motivo: mais do que uma narrativa dramatúrgica de fatos concretos vivenciados por mulheres reais da nossa história, Mulheres Vermelhas da luz a uma esperança, que em minhas décadas de vida eu nunca pude enxergar. A peça me transporta para outro lugar: um lugar onde jamais se ouve “eu não posso fazer nada”; onde a indignação leva as pessoas a praticarem ações cidadãs fortes; onde o pulso por igualdade social estremece cidades inteiras desenfreadas por justiça e o interesse geral sobrepõe-se ao particular. Nesse lugar, existe gente corajosa, capaz de fazer revolução para que as pessoas exerçam o seu papel de gente: um sonho para um país sem memória que não consegue fazer justiça em nome da história; mas pura realidade para quem lutou bravamente por isso, principalmente, no período coroado pelo golpe militar brasileiro, quando o coro pela liberdade e igualdade efervescia apesar da resistência.

Se os sonhos servem para nos fazer caminhar, Mulheres Vermelhas ilumina o caminho, como se cada história narrada dessa gente corajosa fosse, aos poucos, clareando a mancha imposta pelo furacão destruidor do poder que cerra os olhos e nos impossibilita de agir. Somos inseridos numa arena sem medida em que todos são protagonistas de uma única história em nome da nossa responsabilidade como pessoa humana.

O nosso coro é pelos heróis, cuja luta, cortinada pelo golpe militar, vislumbrava reformas de base que mudariam o curso deste país, re-significando oposições como “prisão versus liberdade”, “riqueza versus pobreza”, “opressor versus oprimido” entre tantas outras que nos arrancam do palco terreno da vida. Abramos as cortinas. Tem que continuar.

Marília Marcucci, 18 de janeiro de 2012.

Um comentário:

  1. Caminha-se pelos anos de chumbo... pelas vidas torturadas, por uma sociedade que foi massacrada. Viaja-se por dolorosos depoimentos de coragem, por histórias e pessoas "esquecidas" [como guerrilha do araguaia e a Pagu, sei que não estão no espetáculo, mas ver sobre a ditadura nos faz pesquisar e encontra tais histórias]. Mostrar tudo isso é LUTAR, é Deixar na memória aquilo que não podemos esquecer.

    Boa sorte a vocês... E que esse espetáculo seja veículo de transformação, ou que pelo menos perturbe, incomode, permita um olhar crítico...

    Vocês tem que continuar...

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